quarta-feira, 3 de agosto de 2011

América Latina: 100 anos de opressão e utopia revolucionária

Nesta virada de século e de milênio, faz-se interessante discutir muitos pontos que marcaram a história da Humanidade como uma forma de refletir sobre caminhos a serem adotados no futuro. No caso da América Latina, essa discussão é ainda mais importantes. Afinal, o continente passa por uma série de mudanças complexas que, no entanto, ainda convivem com marcas de um passado opressor que faz questão de manter-se vivo. Por exemplo: ao mesmo tempo em que Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, num ato histórico, fecham uma coalizão em torno de seu bloco comercial, o Mercosul, contra a extrema ingerência da futura Alca (Aliança de Comércio da América), bancada pelos EUA, em suas economias, ainda dependem de mercados como o norte-americano para escoar sua produção, intermediada pelas multinacionais e a baixos preços, gerando lucro para a matriz e pobreza no mercado interno. Além disso, ao mesmo tempo em que esses países anunciam investimentos na integração econômica dentro do continente, em seus próprios territórios vêem aumentar a miséria da maior parte de sua população, a desintegração entre as regiões produtivas e uma série de protestos contra a desigualdade social. Quando as diferenças não são entre países, tornam-se evidentes no território interno: na Argentina, por exemplo, separada entre Buenos Aires e região, vista por muitos como o país, e a região interior, miserável e desgraçada. Nesse quadro de diferenças sociais, há de se somar também as crises políticas, onde a ditadura populista venezuelana e o instável governo peruano dão mostras de que a democracia na região ainda está longe de se tornar realidade.
As contradições são visíveis na sociedade latino-americana, e elas podem ser usadas como explicação para muitos dos problemas e desafios que o continente enfrenta neste novo tempo que se abre. O que ocorreu de errado? Quais os pontos que precisam ser melhorados no futuro? São perguntas que não se calam facilmente. E é neste aspecto que este pequeno ensaio se encaixa. Antes de fornecer respostas definitivas, ele pretende, à luz da discussão histórica e da narrativa, propor tópicos e interpretações que sirvam como um primeiro esboço para a discussão da realidade continental. Assim, está dividido em três partes: a primeira, mais geral, aborda rapidamente a essência da história da região, com destaque para a exploração comercial, a dominação política e a atualidade. A base dessa parte é o livro As veias abertas da América Latina, do escritor uruguaio Eduardo Galeano. A segunda, mais histórica, mostra os movimentos sociais que tentaram propor vias históricas opostas às mostradas na primeira parte. Para encerrar o trabalho, que será completado em ensaios posteriores, uma rápida apresentação de homens que, bem ou mal, fizeram a história da América Latina atuando no campo político. No final, é oferecida uma bibliografia de referência para o interessado no tema ter a oportunidade de pesquisar por sua conta.
Este texto, conforme já dito, não se pretende completo. Pelo contrário: há pontos que mereceriam maior aprofundamento – o que não se faz pelo pouco espaço disponível e pela proposta de apenas propor tópicos para iniciar a discussão. Espera-se, portanto, que os leitores de Klepsidra participem, enviando suas mensagens e comentários a respeito do texto para que a história da América Latina saia da obscuridade e seja de conhecimento público. Inicia-se aqui, pois, essa viagem histórica.
 
Uma rápida abordagem dos conceitos
Não são poucos os estudos existentes sobre a história da América Latina. No entanto, em sua maioria são especializados em determinados temas: política, cultura, economia, relatos de vida de povos etc, bem como escritos com a única preocupação de se "contar a história", sem analisá-la em seus detalhes e relacionando-a com outros fatos e conjunturas. Poucos são os historiadores que se propuseram a escrever sobre a trajetória de nosso continente sem o medo de propor análises para os problemas enfrentados pelo território: pobreza crônica da população, economia agrária, subdesenvolvimento, instabilidade social etc. Coube então a um jornalista uruguaio, sem as "roupagens acadêmicas", como se autodefine, escrever uma história de seu continente baseada na seleção e interpretação de fatos que considera como essenciais para o entendimento da realidade latino-americana.
 
Eduardo Galeano, autor de As veias abertas da América Latina, propôs um inventário dos 500 anos da história do continente retratando as suas principais bases: a economia agrícola e mineradora dominada pelo mercado internacional, com o objetivo de gerar lucros para a potência dominadora; a pobreza social como resultado de um sistema econômico externo e excludente, que privilegia uma minoria financeiramente capaz de integrar-se aos padrões de consumo; a opressão de governos centralizadores contra as minorias, produzindo genocídios e o caos social; a exploração do trabalho e as péssimas condições de sobrevivência para a grande maioria de sua população.



Por : Antonio Lessa